7 de abr. de 2013


ENTREVISTA DO ENCENADOR ALEX GOMES
concedida  a CARLOS BARTOLOMEU / PROJETO DE PESQUISA FIXANDO O FUJIDIO - DPTO TEORIA DA ARTE/CAC-UFPE




Alex Gomes - Eu sempre gostei de teatro, sempre fiz teatro em casa, com a família, com as pessoas, na escola também. Isso é uma coisa inerente a minha personalidade. Eu sempre gostei de teatro, sempre quis participar de brincadeiras. Fazia teatro como uma brincadeira. Aí eu fiz um curso normal. Depois eu vi que era necessário fazer uma coisa que me agradasse, então eu fiz a opção por teatro. Na época era o curso de formação de atores na Universidade Federal de Pernambuco que ficava no Benfica. Eu fiquei muito entusiasmado com os primeiros contatos. Se bem que a gente não começou no Benfica. O curso era localizado no Ed. AIP, no 13o andar. Lá, funcionavam os cursos de direção e de interpretação que duravam 3 anos.



Ah! Pessoas extraordinárias. Eu não consigo esquecer. Joel Pontes, Hermilo Borba Filho, Nair ... (preparadora corporal). Milton Baccarelli, Bacarelli, eu batia direto com ele. Porque era uma pessoa avançada, com uma visão atual da realidade, uma pessoa livre, que tinha uma abertura para trabalhar.





Na minha família temos uma tradição religiosa muito arraigada, que é a questão de que todo primogênito da família do meu pai era dedicado ao sacerdócio. Por isso tinha sempre um filho ou uma filha que ia para o seminário ou para o convento, e eu fui educado para isso. Mas eu não aceitei, fui rebelde e isso foi muito difícil para mim. Quando eu optei pelo teatro eu já tinha feito o curso clássico. Eu estava interessado em estudar Humanas, mais especificamente Arte, mas sempre era convidado por amigos para participar de festas, de atividades culturais, até da comunidade. Já me libertei de um estigma, agora vou fazer o que eu quero. Aí fiquei fazendo um curso de teatro. De início os amigos e a família não sabiam, pois era uma coisa muito minha, e por isso não comentava esse assunto com ninguém. Mas depois, os meus amigos começaram a perguntar e a reclamar, sem chegar, no entanto, a exigir que eu abandonasse o teatro.



Eu fiz o Curso de Ator, mas como era uma família, nós participávamos também do trabalho de direção, porque os alunos que eram do curso de formação, eles também tinham participação com o pessoal que fazia encenação. Participava dos exercícios, das montagens, participávamos desse trabalho de uma forma mais global, uma forma mais sistemática.



Sempre no grupo existiu a pressão ... você, você leva mais jeito, trabalha melhor essa questão. Espontaneamente eu fui assumindo a função e, quando saí da escola, eu fui convidado pelo Museu de Arte Contemporânea de Pernambuco para trabalhar e organizar um grupo de teatro. Eu comecei a trabalhar como encenador especificamente, e como ator também. Mas a situação que era colocada na época era trabalhar a montagem, a visão total do espetáculo. E o que designava um diretor no grupo era se você tinha mais talento... Nesse período, eu dividia a encenação com outro colega, Frederico de Francisci.



A influência era exatamente a questão da revolução, da questão da mudança. Era um regime difícil. Nosso comportamento naquela época feria a suscetibilidade, a estética do novo, da revolução.

O Hermilo era muito importante, mas Baccarelli era um revolucionário. Era uma pessoa muito atual para sua época. Ele era uma pessoa muito dinâmica. Ele teve um certo apelo pela sociedade. Ele fez montagens que ninguém teve coragem de fazer... O teatro era um mito e a gente não fazia teatro como uma brincadeira, mas como uma mudança. O que me influenciou mais foi a vida.

Era extraordinário. Era um romantismo, não deixa de ser romântico, você tinha de ser puro. Era a felicidade de estar junto se abraçando, de dividir, de mostrar um novo homem.

No grupo, no TAO. Era o Teatro Ambiente de Olinda. Assim que saímos da universidade, nós fomos convidados a trabalhar no Museu de Arte Contemporânea de Pernambuco e nesse trabalho foi se arregimentando esse grupo. Mas na cena em geral havia toda uma guerra aberta e declarada... Não havia espaço para um novo grupo, uma nova estética... Não era um grupo profissional, existia uma estrutura montada que dificultava a montagem de muitos encenadores, desde o Teatro de Estudante de Pernambuco, que foi incendiado, até nós, que fomos massacrados. A gente conhecia Stanislávski, Grotowski, teóricos, mas a gente vivenciava o novo mesmo. O Teatro Ambiente tinha a proposta de escutar, analisar, discutir e não impor.



Eu acho que umas 15 ou 20 pessoas no todo. Não só trabalhávamos com a parte da interpretação, nós trabalhávamos a indumentária, a encenação, cenografia... fazíamos uma oficina, a gente ia delineando o perfil da montagem... Era muito dinâmico. Agradeço a Bartolomeu por tirar esse coelho da cartola, de mostrar esse trabalho que foi muito importante para o teatro.

A gente tinha muito medo ... Nós nos preocupávamos com o "será que vão nos matar?". Começamos a fazer mesas redondas, a trabalhar com laboratórios ... Ditadura séria.

Até se você tomasse uma coca-cola. Tinha que tomar Guaraná Antártica que era nacional ... Mas nós víamos que, se nos distanciássemos dessa realidade, perderíamos o tom crítico ... E uma coisa é você encenar pelo que você lê, outra é você sentir na pele. Tanto que todas as montagens que foram feitas no MAC de Pernambuco, elas tinham esse viés de crítica social. Nós montamos o Molière, mas a gente fazia esse Molière não só do ponto de vista de resgatar esse teatro de rua, o teatro popular, o teatro novo. Nós fazíamos Molière porque ele fazia crítica à sociedade daquela época, e nós fazíamos crítica à sociedade em que estávamos vivendo.



O processo era mais orgânico, era um processo que você sentisse, que você enquadrasse a sociedade naquele momento. Agora as questões técnicas ... Nós tínhamos o conhecimento de Brecht, Stanislávski, Grotowski, e isso era de fluir, a gente não ia ao pé da letra. A gente viu o ponto de vista de liberdade, temos que ter liberdade. A gente sempre utilizou o que nos chegou às mãos de uma forma libertária, de uma forma autônoma...



O texto norteava a forma do nosso trabalho. Nós líamos não só o que estava explícito, nós líamos o que estava implícito. Nós líamos o texto e a crônica da época e, através disso, víamos como a população reagia naquela época diante daquelas montagens. E isso era o que fortalecia o nosso desejo de revolucionar. Nós não tínhamos muito contato com José Celso e outros encenadores famosos, mas de repente o que a gente fazia aqui estava sendo feito em São Paulo, no Rio, em Londres, Nova York. Isso causava um frisson na cidade. Não era premeditado, nós fazíamos por natureza. Por liberdade de expressar, de brincar.

Pra gente o que é revolução? Pra vocês o que é revolução? É quebrar aquilo que se está fazendo ... Mudar. A cena pernambucana, eu não vejo muita coisa no sentido literal, nós fazíamos um cenário onde ninguém tinha feito antes ... Nós usávamos o palco que não era o mesmo palco elisabetano, não era um palco de arena, o tablado, era um outro tipo de palco. A gente levava a montagem para a praia, era essa a diferença. A gente fazia um figurino avesso a toda a indumentária. Os Mistérios do Sexo, a roupa desmontou em cena, porque era só um pedaço de tecido todo costurado com elástico ... Não era uma roupa montada, estruturada. Era diferente. Nos Mistérios do Sexo o que acontecia era a questão do homossexualismo, nós fizemos essa montagem em cima dessa estrutura de mudança, de falar de uma coisa que hoje todo mundo fala ... e dentro dessa estética nós construímos uma nova linguagem, uma nova visão dentro da cena pernambucana ... Que é que existe de novo na cena pernambucana? Será que existe essa revolução? Eu não tenho visto isso, não ... A arte é a ciência mais avançada. E tão avançada que ninguém sente o avanço... A gente sentia que quebrava e sentíamos que éramos perseguidos porque quebrávamos... Era essa mudança que não era racionalizada, era vivenciado, era intuitivo.



O publico participava diretamente. O ambiente era estruturado onde a plateia, como espectadora, passava a ser atriz também. A cena era inteira, os atores trabalhavam no meio da plateia, os espaços, sala, cozinha ... Era dividido naquele espaço e o público participava... A plateia vivia o que o ator estava interpretando não como persona, o público sentia o ator ... A nossa intenção era para as pessoas sentirem.



Eu acho que a questão do amor é inerente a minha pessoa. Eu acredito no amor. Mas vou te dizer uma coisa: eu não me sinto esvaziado. No sentido do teatro, é isso que eu estou entendendo? Esse amor permaneceu, agora esse esvaziamento do teatro que eu coloquei no ponto de vista meu, eu coloquei pra mim.

O teatro pernambucano, eu não convivo com os grupos de teatro porque eu não quero ser severo demais, mas eu acho que a coisa é mais do ponto de vista profissional do que do ponto de vista criativo. Não é que pra vocês ser profissional, deixa de ser criativo ou tenha que ser criativo. Eu acho que tenha que andarem juntas e o profissionalismo deixa você muito distante dessa relação de unidade ... De amizade. Hoje a nova filosofia, esse novo paradigma, ele leva para que você veja a coisa sistemática. É uma coisa mais mecanicista. E dentro desta holística as pessoas estão depois de 30 anos resgatando isso. Eu acho que talvez essa cena pernambucana, ela abstraia novamente essa unidade de fraternidade, de participação.



De uma forma muito lúcida, nós trabalhávamos a lucidez. Mesmo dentro da revolução que estava tendo também em relação à estrutura mental das pessoas, nós trabalhávamos com muita lucidez, mas tinha hora que você tinha que partir para uma situação que fugia a essa lucidez orgânica e você tinha que ser um pouco mais severo. Mas essa severidade era racionalizada .... Uma coisa é você dar sua atenção de um momento, de uma cena; outra é você perceber essa visão e transcrevê-la .... Agora com o público eu era severo: quando o público não era muito receptivo, nós tínhamos que ir pra um jornal, uma revista, discutir com os alunos ... O pessoal da revista ia, o da escola ia e nós éramos incisivos, nós sabíamos que a nossa fonte de vida era o público ... Hoje ele é pedagógico, na época ele era revolucionário, ele não tinha essas características do que nós temos com o pedagógico, sistemático. Era o pedagógico da mudança ...

A partir do TAO, nós tivemos o Vivencial Diversiones. Ao nível de grande público, nós trabalhamos As Preciosas Ridículas . Depois, trabalhamos com algumas montagens do TUBA na Católica e no meio da rua.

Agora eu me sinto mais preenchido ainda. Para eu ser ator, ser encenador ... Não é a missão, a missão é a mudança, e a gente enquanto educador tem feito a mudança ... Eu estou trabalhando no ponto da cênica, no ponto de vista estrutural ...

O palco hoje é a sala de aula, onde eles estão fumando maconha ... E a gente diz que não é por aí ... Eu acho que isso é o verdadeiro teatro ... Não querendo desmerecer o ator que vai para o palco que interpretam um determinado personagem ... Eu não posso me desvincular da sociedade ... Eu não posso viver bem dentro da sociedade, se eu não participar diretamente das mudanças que ela requer que aconteçam ...



Eu acredito que os meus sonhos são muito loucos e eu nem sei se posso revelá-los aqui. Eu acho que seria assim, um grande espetáculo, onde as pessoas pudessem ver tudo o que elas precisam, não obrigatoriamente.



Para o encenador hoje, a pedra no sapato deveria ser beber na fonte e não está ninguém bebendo, está se fazendo uma coisa estratificada ...



Eu quero que vocês se sintam bem dentro desse trabalho e quero que vocês cresçam dentro desse trabalho ... Eu desejo, eu anseio que vocês consigam ver realmente essa missão do teatro ... Não é para o individuo, é para o coletivo ...



Nenhum comentário: