Texto de Arnaldo Jabor
(publicado hoje, terça-feira, 09 de setembro de 2008)
Não terei saudades de grandes amores, de megashows da vida de hoje, excessiva e incessante. Não. Debaixo da terra, terei saudades de irrelevâncias essenciais, terei saudades de algumas tardes nubladas de domingo que só o carioca percebe, tudo parado, com os urubus dormindo na perna do vento, como dizia o sempre presente Tom, do radinho do porteiro ouvindo o jogo no Maracanã, terei saudades do cafezinho nas beiras dos botequins, de certos tons de roxo e rosa em Ipanema antes da noite cair, saudades do cafajestismo poético dos cariocas, saudades dos raros instantes sem medo ou culpa, de alguns momentos de felicidade profunda, sem motivo, apenas pela gratidão de respirar.
Não terei saudades dos fatos e notícias, nada do mundo febril, só a quietude, o silêncio entre amigos na paz de um bar, papos de cinéfilo, risos proletários e camaradagem de subúrbio, do samba que nos envolve nas rodas pobres com a alegre sabedoria da desesperança, da Lapa, da Avenida Paulista de noite, de Noel Rosa, pernas cruzadas de mulheres inatingíveis, terrenos baldios de minha infância, Paris (claro), Erik Satie, João Gilberto, Matisse, Rimbaud, João Cabral, o tremor de medo e desejo na hora do amor, saudades da primeira namorada no sofá-cama rasgado do apartamentinho secreto do Partidão, com o cartaz dos girassóis de Van Gogh e uns livros da Acadêmica Soviética, tenho saudades da utopia, das madrugadas políticas, da boemia da esquerda, soldados ingênuos de uma guerra invisível, tenho saudades da delicadeza, da compaixão, também da alegria selvagem da vingança nas raras vitórias contra os canalhas, saudades da literatura, da “frágil lua nova”, de Borges, do prazer da arte, Fellini, Shakespeare e Tintoretto em Veneza para sempre, de Cantando na chuva – o maior hino da alegria americana, saudades do piano-bar do Hotel Carlyle, de Thelonius Monk, saudades de Fred Astaire dançando Begin the beguine com Eleanor Powell, felizes para sempre dentro do universo estrelado.
Há várias mortes. Há brutas tragédias, fomes e bombas, horrendos desastres, mas, na morte óbvia, comum, caseira, só temos duas escolhas: súbita ou lenta. Você, frágil leitor, qual delas prefere? O rápido apagar do “abajur lilás” de um ataque cardíaco, ou o lento esvair da vida, sumindo com morfina? Se eu pudesse escolher, queria morrer como o velho Zorba, o grego, em pé, na janela, olhando a paisagem iluminada pelo sol da manhã. E, como ele, dando um berro de despedida.
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