21 de dez. de 2009

Ponto de virada do teatro pernambucano

Pollyanna Diniz // Diario de Pernambuco



Se o teatro contemporâneo é muito voltado às experimentações feitas em grupo, ao diálogo e construção coletiva, nas décadas de 70 e 80, os encenadores é que tinham posição de destaque. A produção era basicamente impulsionada pelas suas ideias, pela forma como levavam ao palco a crítica ao regime, às contradições sociais e humanas. Em Pernambuco, a cena teatral começou a se estruturar antes mesmo do Regime Militar, com Samuel Campêlo, e mais tarde, a partir de 1940, com Valdemar de Oliveira e Hermilo Borba Filho. Quando a repressão bateu à porta, cinco nomes se destacavam pela inquietação e, principalmente, pela qualidade das montagens: Milton Baccarelli, José Francisco Filho, Guilherme Coelho, Car los Bartolomeu e Antonio Cadengue.

Um relato dos trabalhos realizados por esses encenadores, além da contextualização sobre o que acontecia no mundo das artes cênicas na Europa e no Brasil como um todo, estão no livro A modernidade no teatro [Aqui e ali] Reflexos estilhaçados (R$ 50), da atriz e gestora cultural Lúcia Machado, que será lançado nesta segunda-feira, às 19h20, na Creperia Anjo Solto (Galeria Joana D’Arc, no Pina). O livro está sendo publicado com alguns anos de atraso, mas numa versão muito mais completa. Isso porque a pesquisa que deu origem à obra foi apr esentada por Lúcia em 1986, quando ela terminava a especialização em artes cênicas. "Quando pensei em atualizar a pesquisa, analisei os anexos e fui descobrindo documentos, artigos, que não poderiam passar despercebidos".

A obra de 450 páginas carrega a vantagem de ter sido escrita por alguém que vivenciou a época, que foi inclusive dirigida por Milton Baccarelli, Carlos Bartolomeu e Cadengue. "A pesquisa começou a partir da observação como espectadora". Em comum, a autora diz, nas considerações finais, que os encenadores tinham "a inquietação e a avidez por descobertas, típicas do momento existencial de cada um deles."

Para Lúcia, Baccarelli se destaca pelo bom gosto na escolha da dramaturgia e pelo conhecimento teórico. "Ele fez uma ebulição na Escola de Belas Artes, quando chegou ao Recife em 1962. Pela vivência, o trabalho com o ator, os gestos, o rigor, os ensaios exaustivos", afirma. "Já em 1963, com os alunos, ele montou Vereda da salvação. Um pioneirismo. Antunes Filho montou o mesmo texto um ano depois", comenta.

José Francisco começou buscando espaços alternativos. Montou Prometeu acorrentado na Igreja do Rosário dos Homens Pretos. Fez uma releitura de Torturas de um coração, sob viés tropicalista, o que fez com que Ariano achasse que a obra estava sendo deturpada. "Foi uma polêmica nacional. A montagem foi apresentada aqui, depois seguiu para o Festival de São José do Rio Preto e quase não acontecia, por conta da proibição de Ariano".

Na cena de Carlos Bartolomeu, a paixão pelo cinema assume um papel importante e as imagens ganham outra dimensão. "A sintonia era grande com o movimento modernista e o futurismo. Na montagem A mais forte, ele mostrou apuro técnico, com Mag dale Alves e Augusta Ferraz em cena. Depois montou também Um gesto por outro", explica Lúcia.

Antonio Cadengue, que inclusive foi orientador do trabalho na década de 80, é admirado por Lúcia pela poesia que coloca em cena. "Ele tem uma bagagem extraordinária. É de um rigor absurdo, obsessivo pelo estudo, pela pesquisa". Guilherme Coelho, que atualmente mora em Brasília, se destacava dos outros pelo "sentido de comunidade, de 'vivência' e o enfoque social" do seu trabalho com o grupo Vivencial. "Era de caráter quase catequético, no Mosteiro de São Bento, com jovens em situação de vulnerabilidade. Mas esse exercício de cidadania estourou em todo o país".

Também é lembrado no livro o cenógrafo Beto Diniz, que foi um dos homenageados do Festival Recife do Teatro Nacional deste ano. "Ele trabalhou com praticamente todos os diretores e o aspecto visual do espetáculo mudou depois dele". O livro traz em sua pesquisa uma diversidade de visõ es de autores, jornalistas e críticos, como Celso Marconi, Jomard Muniz de Britto, João Denys, Fátima Saadi. "É muito bom que a cena pernambucana esteja sendo contada. Isso vem acontecendo de uns anos para cá, com livros de João Denys, Luís Reis, Leidson Ferraz e alguns outros. Por muito tempo, a única obra que tínhamos, o ponto de partida, era somente O moderno teatro pernambucano, publicado na década de 60 por Joel Pontes”.

O prefácio do livro A modernidade no teatro [Aqui e ali] Reflexos Estilhaçados é do jornalista e crítico Luís Reis e a apresentação ficou sob a responsabilidade da jornalista, editora do Viver, Ivana Moura. O lançamento é só para convidados, mas a obra estará sendo vendida nas principais livrarias da cidade. A compra também pode ser realizada pelo e-mail contatosalieaki@gmail.com



Disponível em: http://www.diariodepernambuco.com.br/2009/12/20/viver5_0.asp Acesso em: 20 dez. 2009.

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