24 de ago. de 2007


CHISTE 3 (PARA IR COMPREENDENDO A COMPANHIA DO CHISTE)
ANEXO DRAMATICO*
Carlos Bartolomeu
· Rememoro e de mim salta um detalhe da lembrança. Um ator se livra de objetos, deixa-os sobre um palco e, antes do ato, envia-me uma fala; um movimento congelado pelas lentes de uma objetiva derrete-se. Vejo a cena, sou movido daqui para o acontecido. E reconheço mais adiante, em outro suporte, o continuum desta revelação: Na fotografia um clown estreita algo entre os braços. **
· Olho a foto, documentando um átimo de cena da montagem de Electra no Circo, de Hermilo Borba Filho, encenada por mim em 1975. A imagem me leva a outra lembrança. No primeiro ato, outro ator vestido como Chaplin, depõe à direita do palco, seus reconhecíveis adereços: um chapéu coco e uma bengala. Volto à foto, observo o clown fitando a platéia. O corpo hierático está dentro do círculo de luz e posiciona-se fixamente no espaço terreno do proscênio, banhando-se na luminosidade dos refletores. A sua face recriada pela maquiagem está claramente iluminada. O pano de roda do circo está desfeito, pende em desalinho e mais ao fundo da cena destaca-se um pierrô plúmbeo, posado, estatuesco. Outros pierrôs ao fundo, fora do enquadramento fotográfico. O circo está morto.
· O palhaço no proscênio, a meio caminho entre atuar e ser espectador posiciona-se não apenas diante do olhar da platéia, à sua frente, como portador das insígnias chaplinianas, ele se expõe a memória, aspira ser salvo para o futuro. Oferece a sua provisoriedade, trans/humanizando-a em aparência de imortalidade conferida pela fotografia. Não é mais carne, osso e poesia, é luz impressa. Por isso, para isso, talvez, o gesto teatralmente congelado, premeditando a possibilidade de monumento à permanência.
· O ator transfigurado pelas roupagens do clown está a salvo por trás daqueles adereços. Seguros, em suas mãos, estes se posicionam determinantes, como uma batuta de maestro ou o pincel do pintor. Reduções cenográficas da tentativa, por vezes tangível, de conferir ao ato, a suprema importância. Tais símbolos, apropriadamente óbvios de potência, conferem ao clown, uma majestade lúdica, preenchendo naquela personagem, um símbolo de organizador da cena.
· O ser que se mostra ao público estará representando exatamente o quê, ou quem? Por trás dele, avança numa outra dimensão, o encenador e a sua imagem velada, não apenas recria os símbolos, ela os questiona, reinterpreta, reconhecendo neles, a provisoriedade de tudo, que é a sua também. O interprete sonha, atua no sonho de outro.
· Decerto, aqueles espectadores e atores que assistiram ou vivenciaram a cena que descrevo, perceberão nela, outras intenções, recordarão o gesto diferentemente. Imagino que outros concordarão comigo, e retirando da imagem fotografada ou de suas memórias, uma lembrança comum, receberão a emoção primitiva, e a imagem enlutada reviverá luminosa ... Gesto, ato. Através deles ou por eles, simplesmente, anseio que muitos tenham... Sentido. E se sentiram, tenham podido refletir. É o necessário.

· In FIXANDO O FUGIDIO – CARLOS BARTOLOMEU
** O ator José Mario Austregésilo

Um comentário:

.:: THIAGO BRITTO disse...

aee carlos.
vlw pela dica vei
e usei as tuas palavras lá
de "Quem sou eu"

aração. e té
=]